Nessa sexta feira da paixão eu me encontro em paz de espírito. Está sendo um dia de reflexão no sofrimento de Cristo. Um dos pensamentos que me ocorreram foi o de que as agonias e turbulências sofridas por Jesus é que possibilitam esses momentos de paz e esperança. A palavra lembrança nesse final de semana deve ir além do conceito “trazer a memória”, “recordar”. Em o Novo Testamento a palavra grega anamnêsis (recordação) significa “transportar uma ação enterrada no passado, de tal maneira que não se percam a sua potência e a vitalidade originais, mas sejam trazidas para o momento presente”.[1] A sexta feira da paixão e o domingo de Páscoa devem ser mais que um “feriadão” em nossas vidas.
Creio que não deve-se enfatizar a crucificação mais que a ressurreição e vice e versa, afinal, ambos compõem a base da fé cristã. Contudo, o sofrimento de Cristo me chama mais atenção. Talvez, porque faço parte duma geração que é apegada ao visual e a crucificação é uma imagem forte, não sei, só sei que a cruz é escândalo, é a identificação de Deus com o sofrimento, e isso não é para qualquer divindade.
No fim da Idade Média era comum o povo identificar-se com o sofrimento de Cristo, o sofredor por excelência. Nele encontravam, além de conforto em meio às dores, a esperança de superação de todos os males. No entanto, na época de Lutero as práticas de contemplação do sofrimento de Cristo se multiplicaram e se tornaram superficiais. Em 1519, no tempo da Páscoa, o reformador redigiu um sermão sobre a paixão de Cristo, onde pretendia levar a comunidade a uma verdadeira contemplação do santo sofrimento de Cristo.[2] Como vivemos também num período onde o calvário é sublimado por falsas ofertas de vida sem dor e Cristo sem cruz, as palavras de Lutero são atuais.
De acordo com Lutero, a autenticidade do verdadeiro vislumbre da crucificação resulta em assombro. Aquele que medita na cruz percebe o rigor e a ira de Deus para com o pecado e os pecadores. A seriedade é tal que nem seu filho unigênito foi poupado (Is 53.5). Surge a pergunta: o que será dos pecadores, se até o dileto Filho é ferido assim? Refletir sobre a crucificação é reconhecer que o pecado é gravidade indizível. Lutero escreveu:
“E se pensares bem a fundo que é o próprio Filho de Deus, a eterna sabedoria do Pai, quem sofre, não deixarás de ficar assustado, e quando mais profunda for a tua reflexão, tanto mais assustado haverás de ficar.”[3]
Quem crucificou a Cristo? Fomos nós. O reformador nos orienta a enxergarmos os pregos vazando as mãos de Jesus e termos a consciência de que isso é obra nossa: “pois teus pecados são com certeza responsáveis por seu sofrimento; tu és aquele que, através de seu pecado, estrangulou e crucificou o filho de Deus”.[4]
Segundo o sermão, se a pessoa não chegar a um conhecimento de si mesma, assustar-se com seus pecados a ponto de ficar quebrantada, o sofrimento de Cristo não tem proveito para ela. Quem não se assusta consigo mesmo, é porque não entendeu a gravidade do pecado. Lutero acredita que o fiel deve pedir a Deus que o leve a uma meditação frutífera do sofrimento de Cristo, sem essa intervenção divina, tal contemplação não é possível.
“Quanto a quem considerar o sofrimento de Deus por um dia, por uma hora ou mesmo apenas por um quarto de hora, afirmamos abertamente que procede melhor do que jejuar um ano inteiro, orar o Saltério todos os dias [...] pois essa meditação transforma a pessoa [...] É aqui que o sofrimento de Cristo efetua sua obra autêntica, natural e nobre, que estrangula o velho ser humano [...].”[5]
Creio que não deve-se enfatizar a crucificação mais que a ressurreição e vice e versa, afinal, ambos compõem a base da fé cristã. Contudo, o sofrimento de Cristo me chama mais atenção. Talvez, porque faço parte duma geração que é apegada ao visual e a crucificação é uma imagem forte, não sei, só sei que a cruz é escândalo, é a identificação de Deus com o sofrimento, e isso não é para qualquer divindade.
No fim da Idade Média era comum o povo identificar-se com o sofrimento de Cristo, o sofredor por excelência. Nele encontravam, além de conforto em meio às dores, a esperança de superação de todos os males. No entanto, na época de Lutero as práticas de contemplação do sofrimento de Cristo se multiplicaram e se tornaram superficiais. Em 1519, no tempo da Páscoa, o reformador redigiu um sermão sobre a paixão de Cristo, onde pretendia levar a comunidade a uma verdadeira contemplação do santo sofrimento de Cristo.[2] Como vivemos também num período onde o calvário é sublimado por falsas ofertas de vida sem dor e Cristo sem cruz, as palavras de Lutero são atuais.
De acordo com Lutero, a autenticidade do verdadeiro vislumbre da crucificação resulta em assombro. Aquele que medita na cruz percebe o rigor e a ira de Deus para com o pecado e os pecadores. A seriedade é tal que nem seu filho unigênito foi poupado (Is 53.5). Surge a pergunta: o que será dos pecadores, se até o dileto Filho é ferido assim? Refletir sobre a crucificação é reconhecer que o pecado é gravidade indizível. Lutero escreveu:
“E se pensares bem a fundo que é o próprio Filho de Deus, a eterna sabedoria do Pai, quem sofre, não deixarás de ficar assustado, e quando mais profunda for a tua reflexão, tanto mais assustado haverás de ficar.”[3]
Quem crucificou a Cristo? Fomos nós. O reformador nos orienta a enxergarmos os pregos vazando as mãos de Jesus e termos a consciência de que isso é obra nossa: “pois teus pecados são com certeza responsáveis por seu sofrimento; tu és aquele que, através de seu pecado, estrangulou e crucificou o filho de Deus”.[4]
Segundo o sermão, se a pessoa não chegar a um conhecimento de si mesma, assustar-se com seus pecados a ponto de ficar quebrantada, o sofrimento de Cristo não tem proveito para ela. Quem não se assusta consigo mesmo, é porque não entendeu a gravidade do pecado. Lutero acredita que o fiel deve pedir a Deus que o leve a uma meditação frutífera do sofrimento de Cristo, sem essa intervenção divina, tal contemplação não é possível.
“Quanto a quem considerar o sofrimento de Deus por um dia, por uma hora ou mesmo apenas por um quarto de hora, afirmamos abertamente que procede melhor do que jejuar um ano inteiro, orar o Saltério todos os dias [...] pois essa meditação transforma a pessoa [...] É aqui que o sofrimento de Cristo efetua sua obra autêntica, natural e nobre, que estrangula o velho ser humano [...].”[5]
Somos gratos a Deus, visto esse final de semana não acabar em luto, pois ele ressuscitou, e a nossa esperança é viva (1Pe 1.3). Graças a ressurreição a contemplação do sofrimento de Cristo não é vã, pois ainda que ele faça parte de nossa existência, não é a palavra final.
***
[1] MARTIN, R. P. in: HORTON, S. (org.) Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1996. p. 574.
[2] FISCHER, J. in: LUTERO, Martinho. Obras selecionadas: os primórdios – escritos de 1517 a 1519. 2 ed. São Leopoldo: Sinodal: Porto Alegre: Concórdia: Canoas: Ulbra, 2004. p. 249-250.
[3] LUTERO, Martinho. Obras selecionadas: os primórdios – escritos de 1517 a 1519. 2 ed. São Leopoldo: Sinodal: Porto Alegre: Concórdia: Canoas: Ulbra, 2004. p. 251.
[4] LUTERO, Martinho. op. cit. p. 252-53.
[5] LUTERO, Martinho. op. cit. p. 253.
[2] FISCHER, J. in: LUTERO, Martinho. Obras selecionadas: os primórdios – escritos de 1517 a 1519. 2 ed. São Leopoldo: Sinodal: Porto Alegre: Concórdia: Canoas: Ulbra, 2004. p. 249-250.
[3] LUTERO, Martinho. Obras selecionadas: os primórdios – escritos de 1517 a 1519. 2 ed. São Leopoldo: Sinodal: Porto Alegre: Concórdia: Canoas: Ulbra, 2004. p. 251.
[4] LUTERO, Martinho. op. cit. p. 252-53.
[5] LUTERO, Martinho. op. cit. p. 253.
6 comentários:
Rodrigo!
Ainda não deixamos de ser pecadores; não abandonamos por completo os nossos atos pecaminosos; continuamos a tropicar diante de Deus com nossas falhas; nossas bocas ainda falam asneiras; nossos corações ainda palpitam diante do fruto proibido; nossos pés ainda correm para derramar sangue; nossos olhos ainda escurecem nossas almas.
Tudo isto quer dizer que ainda Cristo continua, diariamente, sendo crucificado por nossos delitos. O sangue de Cristo ainda encontra-se quente em nossas vidas cotidianamente, dia após dia. O suspiro final: "Está consumado!". Ecoa em direção de nossas vidas ainda enquanto levantamos pela manhã e continua estridente aos nossos ouvidos ao deitarmos a noite. Tamanho é a nossa dependência de Cristo e de seu sacrifício. Louvado seja Deus!!!
Abraços!
Vitor Hugo.
belo txt Vitor. assino embaixo.
Muito legal o texto Bibo. Através deste sacrifício, nós podemos ter um relacionamento verdadeiro com Deus, apesar de todas as nossas falhas e pecados. Concordo com você e com o Vitor também! :*
Rodrigo!
Ótimo seu texto, é sempre gratificante passar aqui! E aproveitando, vc tem como me indicar algum estudo sobre santa ceia e batismo, estou sendo bombardeado de perguntas por uma amiga. Até ai não tem problema, o problema é que ela cre que somente sua denominação é a correta. O que é uma pena, limitar a benção da santa ceia somente a um grupo de "Crentes escolhidos"
obrigado
Dionei Machado
Olá Dionei,
seja sempre bem vindo, o blog só existe porque pessoas como você nos incentivam.
Bem, seu problema já começa com seu interlocutor, uma pessoa fechada e abitolada. Todo sistema fechado é prejudicial a vida.
Essa discussão entre sacramento e ordenança, presença real e espiritual, imersão e asperção, está longe de acabar, sugiro que leia o artigo Ceia do Senhor numa teologia sistemática da sua denominação e da denominação dela. Juntos poderão compreender melhor o pensamento um do outro e quem sabe um dia, participarem em comunhão desse rito tão importante do cristianismo.
abraços
Rodrigo
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