O mal é uma realidade presente em nosso mundo; isto é inegável. Há males naturais e males promovidos pelo ser humano que nos deixam atônitos! Mas segundo a Bíblia este mundo foi feito por Deus. Portanto, Deus o fez mal? Como conciliar a bondade do Deus criador com o mal presente em Sua criação? Nosso texto não é pequeno, por isso no final você o encontra no formato PDF para download. Boa leitura!
Fernando Albano
O MAL E A CRIAÇÃO DE DEUS
O mundo como ele se oferece à experiência e ao conhecimento humano pode ser compreendido como criação do Deus da Bíblia. Contudo, como disse Pannenberg: “Parece que não é evidente o louvor de Deus a partir das obras da natureza, do qual fala o Sl 19 [...]”.[1] Nossos dias marcados por muitas notícias de cataclismas, terremotos, enchentes, entre outros, parece confirmar a afirmação do teólogo. Enfim, pretendemos dizer que na criação de Deus existe o mal. Assim, atrapalham a suposição de um Criador tanto todo-poderoso quanto bondoso o sofrimento das criaturas aparentemente sem sentido e o sucesso do mal na criação. Diante disso, temos as seguintes questões: “Deus deseja prevenir o mal, mas não consegue? Então é impotente. Deus consegue, mas não quer? Então é malevolente. Deus é capaz e também quer; de onde, então, vem o mal?”[2]
1 – Crença na criação e teodicéia[3]
O problema do mal e sua relação com a Criação, pode ser entendido como um conflito que envolve três conceitos: Para continuar lendo e fazer download, clique em Mais informações
A) O poder de Deus;
B) A bondade de Deus;
C) A presença do mal na Criação.[4]
Há dois tipos gerais de males que fazem precipitar esse dilema. Por um lado, há o que costuma ser denominado mal natural. Esse é o mal que não envolve a vontade e a ação humana, sendo um simples aspecto da natureza. Por outro, há os males que podem ser atribuídos à escolha e à ação de agentes morais livres. Portanto, há males que são provocados pelas ações humanas e outros males que fogem do seu controle e surgem a partir dos fenômenos da natureza.
Para trabalharmos uma resposta plausível sobre o mal devemos retornar às origens do relato bíblico a respeito da criação do mundo.[5] O relato bíblico depois de cada uma das obras da criação, acrescenta uma aprovação divina da obra surgida como “boa” (Cf. Gn 1). No final do relato, depois da criação do ser humano, consta no lugar de uma aprovação específica dessa obra uma “aprovação geral” de toda a criação como “muito boa” (Gn 1.31).
Nisso naturalmente está incluído o ser humano, e, além disso, se destaca deste modo a especial importância da criação do ser humano para o acabamento de toda a obra da criação (Gn 2.2). Portanto, que a criação “é boa” em seu todo depende, evidentemente, de que o ser humano seja bom, de sua correspondência com a intenção criadora de Deus.
Porém, para o autor de Gênesis não ficou despercebido o fato de que o mundo, tal como os homens o experimentam e o conformam, não permite reconhecer inequivocamente que ele é tão bom como o juízo de Deus o declara. “E viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; pois toda carne tinha corrompido seu caminho na terra” (Gn 6.12). Conclui-se, portanto, que o mundo foi criado bom por Deus, mas que foi corrompido pelas criaturas _ e especialmente pelo ser humano.[6]
Pannenberg destaca, que para a fé de Israel e também para o cristianismo primitivo era inconcebível acusar o próprio Criador por causa do mal instalado em sua criação.[7] Na base da fé em Deus o Criador, verdadeiramente sequer pode surgir o problema da teodicéia, uma exigência de justificação de Deus pelo mundo por ele criado.
Porém, sabemos que a descrença acompanha a fé como uma sombra. Quer queiramos ou não, existe a negação aberta da fé em Deus o Criador, e essa descrença argumenta, não sem razão, com o fato da existência do mal no mundo, lembrando o sofrimento inocente. O sofrer e o morrer miserável de crianças continua sendo o argumento mais contundente contra a fé no Criador.
O sofrimento aparentemente sem sentido de tantas criaturas opõe-se de modo muito real à fé em um Criador todo-poderoso e, ao mesmo tempo, bondoso e sábio. De modo que, sofrimento, culpa e lágrimas gritam pela superação real do mal.
Diante disso, Pannenberg sugere que a resposta mais plausível ao problema do mal pode ser encontrada no conceito teológico da “unidade de criação e redenção no horizonte da escatologia”. Só assim, temos uma resposta sustentável à pergunta da teodicéia, à pergunta pela justiça de Deus em suas obras.[8] Ainda, formulando com mais exatidão, é exclusivamente o próprio Deus que pode dar uma resposta libertadora a essa pergunta, e ele a dá por meio da história de seu agir no mundo, e em especial por sua consumação com o estabelecimento de seu reino na criação.
Enquanto o mundo é visto, por um lado, isoladamente com vistas a seu presente não consumado e não redimido, e sob o ponto de vista de sua processão inicial das mãos do Criador, por outro lado, o fato do mal e da desgraça na criação permanecem um mistério e um escândalo sem saída.
No entanto, também sob o ponto de vista da reconciliação e da consumação escatológicas continua em aberto a pergunta por que o Criador todo-poderoso não criou, de antemão, um mundo sem sofrimento e culpa. Até mesmo Clemente de Alexandria já se ocupou com a pergunta como o mal pode entrar num mundo criado por Deus. A resposta dada por ele e que mais tarde foi repetida muitas vezes é: Os males e o sofrimento deste mundo são consequencia do pecado. Mas a responsabilidade pelo surgimento de pecado e maldade entre as criaturas não seria do Criador, mas somente do autor da má ação, porque as almas são livres em suas decisões.
Ambos os elementos dessa resposta são insuficientes: o mal já existia antes do aparecimento do ser humano. Se a ação é o resultado da livre decisão do autor, então a própria liberdade é uma obra do Criador. Porque, portanto, Deus não dispôs o mundo de tal maneira a suas criaturas ficarem preservadas de pecado e mal? A afirmação de que o mal tem sua origem na liberdade de decisão e ação da criatura não é capaz de isentar o Criador da responsabilidade para essa sua criação: Seja qual for o modo como a criatura é livre, ela é criatura de Deus justamente nessa sua liberdade.
Diante disso, entendemos que o esforço no sentido de isentar o Criador foi um engano da apologética cristã. Este não poderia corresponder ao testemunho do Novo Testamento, segundo o qual o próprio Deus assumiu e carregou, pela morte de cruz de seu Filho, a responsabilidade pelo mundo por ele criado. Se o Criador quis criaturas autônomas e livres em relação a ele, que o reconhecem espontaneamente em sua divindade, então também existe na decisão para a realização da criação o risco de abuso dessa liberdade criatural. Pannenberg disse:
O mal e as desgraças não são desejados por Deus como tais, isto é, não podem ser para si objeto de seu bem querer e, portanto, o fim de sua vontade. Mas são aceitos como efeitos colaterais e, deste modo, como condições de realização por parte das criaturas da intenção de Deus. E, isso sob o ponto de vista do governo divino do mundo, o qual é capaz de ainda transformar o mal em bem, ao ser dirigido para a reconciliação e redenção do mundo por Jesus Cristo.[9]
A responsabilidade pelo surgimento do mal na criação recai inevitavelmente sobre o Deus presciente e permissivo, embora o agir das criaturas constitua a causa direta. Deus também não se subtraiu a essa responsabilidade, antes a assumiu pelo envio e entrega de seu Filho à cruz. Assim Deus confirma sua responsabilidade como Criador pelo mundo por ele criado. E nisso o mal é real e suficientemente oneroso não somente para as criaturas, mas também para o próprio Deus. Isso o mostra a morte de seu Filho na cruz.[10] Erickson afirma: “Deus é nosso companheiro de sofrimentos nos males deste mundo, e, por conseguinte, é capaz de nos livrar do mal”.[11]
Com tudo isso, porém, ainda não está respondida a pergunta pela razão da admissão do mal e da desgraça por Deus. Entretanto, pode ser considerado esclarecido que ambos, o mal e a desgraça, não podem ser objeto positivo da vontade criadora divina. Apesar disso, Deus é co-responsável por seu surgimento por meio de sua admissão “previdente”, respondendo por isso com a morte do Filho na cruz.
No, entanto, porque o admitiu? A autonomia para a qual a criatura foi criada constitui a razão da possibilidade do mal e pecado. Como disse Tillich: “Não permitir o pecado significaria não permitir a liberdade, e isto equivaleria a negar a verdadeira natureza do ser humano, sua liberdade finita”.[12]
A autonomia da criatura contém a sedução de tomar-se a si mesma por absoluto na auto-afirmação da própria existência. Assim, estamos diante de Gn 3. A rebeldia da criatura ante seu criador. A autonomização da criatura acontece. Se deixa dominar pela hibris (orgulho espiritual). Portanto, Deus preferiu correr o “risco” da rebelião de suas criaturas, concedendo-lhes liberdade do que garantir sua obediencia tornando-as em meros robôs, ou seres destituídos da capacidade de escolhas morais.
Considerações finais
Uma resposta ao problema do mal somente é possível em face da unidade da criação com a obra divina da reconciliação. Só assim, podemos entender que a criação como disse Deus é “boa”.
Essa declaração divina da bondade da criação, não é apenas uma constatação da parte de Deus, mas podemos dizer que trata-se também de uma decisão do Criador em relação à criatura. Portanto, a bondade da criação é também promessa de Deus que Ele concretizará no futuro da manifestação plena do Seu Reino:
Agora a morada de Deus está entre os seres humanos! Deus vai morar com eles, e eles serão os povos dele. O próprio Deus enxugará dos olhos deles todas as lágrimas. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor. As coisas velhas já passaram (Ap 21.3-4).
A face do mundo que hoje se mostra triste, sofrida e violentada, se tornará pela vontade do Criador um belo rosto, genuinamente bom, marcado pela alegria, paz e plenitude. Neste tempo, “Deus será tudo em todos”.
[1] PANNENBERG, Wolfhart. Teologia sistemática. São Paulo: Academia Cristã, Paulus, 2009. v. 2, p. 240.
[2] HUME, David apud: ERICKSON, Millard J. Introdução à teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997. p. 183.
[3] Teodicéia. Resposta ao problema do mal no mundo, que tenta, de forma lógica, pertinente e coerente, defender que Deus é ao mesmo tempo onipotente, infinito em amor e justo, a despeito da realidade do mal. GRENZ, Stanley J. et al. Dicionário de teologia: mais de 300 conceitos teológicos definidos de forma clara e concisa. São Paulo: Vida, 2000. p. 128.
[4] ERICKSON, 1997, p. 184.
[5] Evidentemente que toda resposta sobre o “problema do mal” deve permanecer em “aberto”, sem assumir uma postura de “resposta final”. Isto ocorre devido à extrema complexidade e mistério que paira sobre o tema.
[6] Segundo o capítulo 3 de Gênesis o ser humano foi tentado pela serpente, que serviu de “máscara” para Satanás. Contudo, o maior responsável pelo pecado foi o próprio ser humano, uma vez que ele tinha recebido de Deus a ordem de dominar sobre os animais (Gn 1.26). Assim, a serpente estaria debaixo do domínio humano. Ainda segundo Tiago: “Mas as pessoas são tentadas quando são atraídas e enganadas pelos seus próprios desejos” (1.14).
[7] PANNENBERG, 2009, p. 242.
[8] PANNENBERG, 2009, p. 243-244.
[9] PANNENBERG, 2009, p. 247.
[10] PANNENBERG, 2009, p. 249-250.
[11] ERICKSON, 1997, p. 190.
[12] TILLICH, Paul. Teologia sistemática. 5. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2005. p. 355.
Um comentário:
Gostei do texo.Muito questionador mas devo dizer aos senhores que na minha opinião(pessoal)há,uma confusão no embasamento das ideias.Uma falta de discernimento entre a lógica dos pensamentos,a física, a metafisica e talvez até mesmo uma grande falta de conhecimento a respeito da Bíblia e principalmente da religião Cristã,que é muitissimo mais complexa do que simplesmente a crucificação de Cristo em si.Vamos a pergunta:DEUS CRIOU O MAL?Bom na minha forma de pensar,em primeiro lugar devemos entender que o "mal" não foi criado.Ele não é um objeto.O mal é real porém abstrato.Assim como os buracos são reais mas só existem em algum objeto.Sua existencia está inteiramente ligada a existencia de algo concreto.Partamos então do principio que Deus é um ser onipotente.Mas a onipotencia é também abstrata.Segundo a filosofia de Aristóteles nem mesmo a onipotência pode violar o princípio da não contradição, que afirma que algo,não pode ser e não ser ao mesmo tempo nas mesmas circunstâncias.
Deus não pode, por exemplo, fazer o universo existir e não existir ao mesmo tempo.
Ou Deus não pode criar outro Deus pois deixaria de ser Deus.
Em resumo,dizer que Deus é onipotente é o mesmo que dizer que Deus pode todas as coisas dentre as coisas que são absolutamente possíveis.
Coisas absolutamente possíveis são aquelas cujo sujeito é compatível com o objeto. Coisas absolutamente impossíveis são o contrário: quando o sujeito é incompatível (ou contraditório) com o objeto.
Com base nesse raciocínio aristotélico entendemos que Deus não criou o mal mas o permitiu.Uma vez que o livre arbítrio só existe para as criaturas e não para o Criador.Deus não pode ser corrompido por causa de sua natureza mas as suas criaturas podem.A respeito da criação de Deus a biblia relata que sua criação era completamente boa,e era.O homem era bom e tudo quanto fora criado também.Mas o homem se deixou corromper por uma criatura já corrompida,mas tinha a livre escolha de optar pelo bem.Porém a natureza humana é vulneravel e fraca(no entanto é indiscutivel dizer que é inteiramente capaz de resistir ao mal).Imagine um homem puro sem conhecimento nem do mal nem mesmo do bem?Numa sociedade como a de hoje existe a tecnologia,a intelectualidade,inumeras fontes formadoras de caráter e de opinião mas esse não era o caso de Adão e de Eva que eram seres puros e sem conhecimento(me refiro a conhecimento intelectual pois eles conheciam Deus e sabiam onde estavam os limites de suas ações).Esses foram persuadidos por um ser corrompido que escolheu deixar de fazer o bem no seu coração.E Deus assim permitiu por existir o livre arbitrio entre os seres de sua criação(o que não existe para Deus pois sendo incorruptivel nunca mudará).Desda forma Deus não "criou" o mal mas ele simplesmente permitiu para provar a natureza dos seres.O mal é consequencia direta das ações dos seres individuais que fazem suas escolhas e não responsabilidade de Deus.Podemos dizer que a criação seria boa até hoje como diz os relatos de Genesis,se o homem tivesse resistido ao mal,mas ele não quis,e nem está iteressado nisso até os dias de hoje.E ainda tem a cara de pau de botar a culpa da sua maldade em Deus.
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