terça-feira, 20 de setembro de 2011

O Neopentecostalismo

O texto a seguir é parte do que escrevi para o livro História do Pentecostalismo do curso da EPOS - www.ceeduc.org
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Freston escreveu:

 O pentecostalismo brasileiro pode ser compreendido como a história de três ondas de implantação de igrejas. A primeira onda é a década de 1910, com a chegada quase simultânea da Congregação Cristã (1910) e da Assembléia de Deus (1911). Estas duas igrejas têm o campo para si durante 40 anos (...) A Congregação, após grande êxito inicial, permanece mais acanhada, mas a Assembléia se expande geograficamente nesse período como a Igreja protestante nacional por excelência. (...) A segunda onda pentecostal é dos anos 50 e início de 60, na qual o campo pentecostal se fragmenta, a relação com a sociedade se dinamiza e três grandes grupos (...) surgem: A Quadrangular (1951), Brasil para Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). (...) A terceira onda começa no final dos anos 70 e ganha força nos anos 80. Sua representante máxima é a Igreja Universal do Reino de Deus (1977), e um outro grupo expressivo é a Igreja Internacional da Graça de Deus.[1]

A segunda onda do pentecostalismo brasileiro também imprimiu características próprias no protestantismo nacional. São essas marcas que dão sentido a sua classificação como segunda onda e dão o corte com a primeira onda, nesse sentido, Mariano corrobora: “Quanto à teologia, entretanto, as duas primeiras ondas pentecostais apresentam diferenças apenas nas ênfases que cada qual confere a um ou outro dom do Espírito Santo. A primeira enfatiza o dom de línguas, a segunda, o de cura”. Contudo, isso não quer dizer que na primeira onda não tivesse orações por cura divina, basta ler no periódico O Mensageiro da Paz da Assembléia de Deus, na seção de testemunhos, para se constatar os inúmeros relatos de curas recebidas.[2] Logo percebemos que as diferenças entre a primeira e a segunda onda são mais de cunho missiológico e evangelístico do que doutrinário, pois a segunda onda preserva o núcleo teológico do pentecostalismo clássico inovando apenas nas estratégias evangelísticas, como o uso do rádio, tendas, cinemas, teatros e estádios.[3]
É na década de 70 que o pentecostalismo brasileiro começar a ganhar uma face diferente na área doutrinária. Com o surgimento de igrejas como a Universal do Reino de Deus e a Internacional da Graça de Deus o protestantismo começa a ganhar uma roupagem diferente. A terceira onda, ou neopentecostalismo, abandona o conservadorismo (usos e costumes) típico da primeira onda e enfatiza a guerra espiritual, o exorcismo e a Teologia da Prosperidade, isto é: “o ‘neopentecostalismo’ dos anos 80, colocou em primeiro a saúde do corpo, a prosperidade e a solução dos problemas psíquicos, colocando como resultado imediato da busca do sagrado. Ficaram para trás as preocupações escatológicas e até mesmo a glossolalia”.[4]

A TERCEIRA ONDA DO PENTECOSTALISMO BRASILEIRO

O neopentecostalismo irrompe no cenário religioso brasileiro a partir do final da década de 70, ganhando notoriedade nas décadas de 80 e 90. O termo neopentecostal foi cunhado nos Estados Unidos para indicar dissidências pentecostais das igrejas protestantes, posteriormente denominadas de carismáticas. Aqui no Brasil carismáticas são as designações dadas aos movimentos dentro da Igreja Católica Romana e Igreja Evangélica de confissão Luterana no Brasil. Sobre o nome neopentecostalismo Mariano propõe que “o prefixo neo mostra-se apropriado para designá-la [a terceira onda do pentecostalismo] tanto por remeter à sua formação recente como ao caráter inovador do neopentecostalismo”.[5] Como já exposto acima, a terceira onda do pentecostalismo brasileiro rompe com as ênfases teológicas e comportamentais das duas primeiras ondas. Araújo afirma:

Dão mais ênfase ao louvor e são mais flexíveis teologicamente, não permanecendo estáticos na doutrina, como os pentecostais clássicos. Na década de 1990, grande parte de seus pregadores começou a incluir em suas mensagens elementos da Teologia da Prosperidade e da Confissão Positiva. (...) Distinguem-se também quanto aos usos e costumes.[6]
Dessa forma, neopentecostalismo torna-se uma manifestação religiosa para um Brasil urbanizado e em crise econômica nunca vista antes na história do país.[7] A globalização da economia foi de certa forma a mola propulsora para o surgimento do neopentecostalismo, fato comprovado nas estratégias evangelísticas utilizadas pelas igrejas representantes dessa onda pentecostal, que proliferaram a mensagem da teologia da prosperidade e da confissão positiva.[8] O historiador Martin Dreher reconhece a mudança na identidade protestante causada pelo neopentecostalismo. Segundo Dreher os elementos da religiosidade popular que antes eram refutados pelo protestantismo, agora fazem parte de sua teologia, ocupando muitas vezes lugar de destaque na liturgia do culto. Ocorre também uma ênfase na ação dos demônios, onde, de acordo com os pregadores do neopentecostalismo, são os responsáveis por todos os males; o ser humano abandona o status de pecador, e o pecado não é mais a fonte do mal. Dreher escreve:
Por isso não há mais a necessidade de pregar arrependimento no sentido do protestantismo tradicional. Não há mais o acento no livre-arbítrio; esse acento, aliás, se torna impossível porque o ser humano é presa dos demônios. A única possibilidade que lhe resta é negociar com Deus. Sinal de fidelidade a Deus é o dízimo. O dinheiro, alias, é o “sangue da Igreja do Senhor Jesus”, na expressão do Bispo Edir Macedo.
Assim percebemos que o neopentecostalismo rompe com doutrinas do pentecostalismo clássico e algumas igrejas do deuteropentecostalismo significativamente. No intuito de ilustrar essas diferenças, utilizaremos um diagrama elaborado por Claiton I. Pomerennig em seu projeto de pesquisa para o mestrado.[9] O intuito desta comparação é de simplesmente contrapor ênfases e doutrinas para que as distinções fiquem bem claras.

Questões
Pentecostalismo Clássico
Neopentecostalismo
Debilidades Humanas
A carne
Os demônios
Pecado
Ênfase no arrependimento
Cada um na sua (pós-modernismo)
Objetivos principais
O celestial
A prosperidade material
Sofrimento
Pedagogia divina (Jó)
Falta de fé
Doença
Propósito e permissão de Deus com crença na cura
Diabólica
Usos e costumes
Ascese
Ausência
Esperança
‘já agora’ e ‘ainda não’
Sim ao ‘já’ e não ao ‘ainda não’
Soberania
De Deus
Do homem
Experiência pessoal
Arrependimento
Alcance da benção
Prática de vida
A vontade de Deus
Necessidades humanas
Trabalho dos membros
Envolvimento
Consumismo ‘espiritual’
Jesus
Senhor e salvador
Só Salvador
Espiritismo
Distanciamento
Assimilação x repúdio
Teologia
Da “santidade”
Da prosperidade
Salvação e cura
Pela graça com regras
Sacrifício financeiro
Dízimos e ofertas
Mandamento divino
Moeda de troca
Exemplos de Vida
Jesus/NT
Abraão/AT
Liturgia
Espontânea
Teatralizada
Membresia
Comunhão
Flutuante e volátil

Com esse diagrama percebemos que não existe homogeneidade teológica entre a primeira e a terceira onda do movimento pentecostal brasileiro. Todas essas diferenças justificam o prefixo neo no pentecostalismo oriundo da década de 70.
O neopentecostalismo tem como principais representantes a Igreja Universal do Reino de Deus e a Internacional da Graça de Deus. Mas antes de abordarmos o histórico dessas igrejas, se faz necessário uma abordagem á Igreja Pentecostal de Nova Vida, visto que dela saíram os fundadores tanto da Universal quanto da Internacional da Graça.

A QUARTA ONDA DO PENTECOSTALISMO BRASILEIRO?

Com o advento do Neopentecostalismo surge a pergunta: Ate quando continuará crescendo e se fragmentando o pentecostalismo no Brasil?[10] Numa visão sociológica, de acordo com teóricos como Otto Maduro, podemos dizer que “todo fenômeno religioso tem o seu crescimento atrelado a um conjunto de causas de caráter histórico, sócio-econômico, religioso e cultural, que independem da boa vontade (...) de seus integrantes.”[11] Dessa forma, o Brasil torna-se um campo fértil para o crescimento e fragmentação do movimento pentecostal, devido a miséria e desestruturação.[12]
Não se pode negar que o neopentecostalismo adaptou a mensagem pentecostal para o homem pós-moderno e capitalista, contudo, outra pergunta que surge é se tal atitude foi boa. O Pastor Elienai Cabral Jr. acredita que não, ele escreve:
O neo-pentecostalismo nasceu do adiamento pentecostal da reflexão. Digo adiamento, porque não questiono a ausência de vocação para refletir de qualquer novo fenômeno religioso. A história ratifica o fato. Mas a dificuldade de se reinventar como movimento, a rigidez postergada da irreflexão ocasionou uma fissura do tamanho do neopentecostalismo.[13]

O pentecostalismo clássico não soube se adaptar num mundo globalizado. Já o neopentecostalismo ao adaptar-se, abandonou elementos marcantes da raiz pentecostal e incorporou outros, muitas vezes avessos a teologia pentecostal clássica.
Nessa tentativa de atualização da mensagem pentecostal o neopentecostalismo encontrou salvação no caminho largo (Mt 7.13). Há uma valorização da concretização das promessas de Deus aqui e agora, perdendo-se a esperança escatológica. A teologia da prosperidade e a confissão positiva tiveram como porta de entrada no Brasil o neopentecostalismo[14], contudo, isso não quer dizer que ficou somente em suas fileiras, visto que o neopentecostalismo gerou influências nas outras duas ondas do pentecostalismo brasileiro.
Dessa forma fica a tarefa de nos aprofundarmos em nossas raízes históricas e de resgatarmos a autêntica fé pentecostal que moveu e impulsionou os primeiros missionários em solo brasileiro. Onde suas pregações eram inflamadas pelo poder do Espírito Santo gerando nos crentes uma vida consagrada. Vida cristã que não exigia nem barganhava com Deus, mas assumia a postura de um filho na presença do pai, postura de obediência e respeito.


[1] FRESTON, Paul. Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONIAZZI, Alberto (et al.). Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Rio de Janeiro: Petrópolis, 1994. p. 70-71.
[2] Cf. MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999. p. 31.
[3] Cf. MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999. p. 32.
[4] Cf. GUTIÉRREZ, Benjamim F.; CAMPOS, Leonildo Silveira, (Ed.). Na força do espírito – os pentecostais na América Latina: um desafio às igrejas históricas. São Paulo: Pendão Real, 1996. p. 100.
[5] Cf. MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999. p. 33.
[6] Cf. ARAÚJO, Isael. Dicionário do movimento pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007. p. 505-506.
[7] As desigualdades sociais no Brasil. Disponível em <http://br.geocities.com/sergiofk/Sociologia.doc>. Acesso em: 09 de mar de 2008.
[8] Cf. GUTIÉRREZ, Benjamim F.; CAMPOS, Leonildo Silveira, (Ed.). Na força do espírito – os pentecostais na América Latina: um desafio às igrejas históricas. São Paulo: Pendão Real, 1996. p. 91.
[9] POMERENNIG, Claiton Ivan. A relação entre a oralidade e a escrita na teologia pentecostal: acertos, riscos e possibilidades. 120 f. Dissertação (Mestrado em Teologia). Instituto Ecumênico de Pós-Graduação. Escola Superior de Teologia. São Leopoldo.
[10] GUTIÉRREZ, Benjamim F.; CAMPOS, Leonildo Silveira, (Ed.). Na força do espírito – os pentecostais na América Latina: um desafio às igrejas históricas. São Paulo: Pendão Real, 1996. p. 93.
[11] GUTIÉRREZ, Benjamim F.; CAMPOS, Leonildo Silveira, (Ed.). Na força do espírito – os pentecostais na América Latina: um desafio às igrejas históricas. São Paulo: Pendão Real, 1996. p. 93.
[12] Cf. GUTIÉRREZ, Benjamim F.; CAMPOS, Leonildo Silveira, (Ed.). Na força do espírito – os pentecostais na América Latina: um desafio às igrejas históricas. São Paulo: Pendão Real, 1996. p. 93.
[13] Meu pentecostalismo revisitado. Disponível em <http://elienaijr.wordpress.com/2006/11/24/meu-pentecostalismo-revisitado/>. Acesso em: 27 de mar de 2008.
[14] Cf. FRESTON, Paul. Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONIAZZI, Alberto (et al.). Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Rio de Janeiro: Petrópolis, 1994. p. 146.

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