sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Acabaram-se os mancebos?

Estamos escrevendo a história da AD em Joinville, e pesquisando em periódicos da década de 80, deparo-me com um artigo de J. P. Muller, articulista do jornal O Assembleiano, no caderno Voz da Juventude na ed. jun/jul de 1987. Atualmente, Muller é pastor da Igreja da Família - MIRF. Resolvi digitar o artigo e publicá-lo aqui, pois apesar de ser escrito há 21 anos atrás, considerei-o atual em certo sentido.


"ACABARAM-SE OS MANCEBOS?"


por J. P. Muller


A pergunta milenar do grande juiz e profeta Samuel ao patriarca Jessé é bastante atual. O jovem hoje participa em quase todas as áreas da sociedade: no esporte, na política, na literatura, na música e na arte. Desde os tempos remotos a sociedade sempre se elevou ou se abateu usando como instrumento a força jovem. Estadistas conquistam impérios e abateram [sic] reinos; nações sobem as alturas, e em planetas fincam suas bandeiras, usando a aventura do mancebo.
Os maiores desafios da civilização foram a são confrontados pela juventude. É o jovem que dá seu sangue para defender sua Pátria. É o jovem que singra os mares em sua nau e corta os céus com seu supersônico. Há um período na vida em que o homem é todo força, explosão, técnica e habilidade. Há um espaço na sociedade que só pode ser preenchido por jovem. Com ele está a força.

A Bíblia fala

A bíblia é o livro que mais relata em suas páginas e ação, a luta, a conquista e as vitórias dos moços (e das moças), realizando o plano de Deus através dos séculos. É o livro que narra a coragem dos moços. Que exalta a bravura dos moços de fé.

A força jovem

João disse: “Eu vos escrevi, jovens, porque sois fortes...” A Assembléia de Deus ecoa hoje no Brasil como a maior força pentecostal – não nos esqueçamos – ela notabilizou-se no Pais através da força de uma geração jovem. Ela começou com dois jovens. Aqui aportaram e deslancharam esta obra no verdor de sua juventude. Em seguida vieram missionários – moços – ainda e ensinaram a palavra de Deus, a música, geografia e história bíblicas (...). Depois que pregaram o Evangelho, fundaram igrejas, separaram jovens pastores, e foram para frente. Esses jovens pastores, uma vez separados, imbuídos do mesmo afã, a mesma guerra, o mesmo poder, o mesmo entusiasmo, e o trabalho cresceu.

Acabaram-se!

Envolveram-se tanto com o trabalho de Deus, e com tanta esmero que não se deram conta que, a medida que o trabalho crescia, os anos diminuíam. E os mancebos acabaram-se!
A primeira geração passou, a segunda chegou ao fim e a terceira não apareceu. Não apareceu a terceira geração de filhos ministeriais. Embora exista, desapareceu da Igreja. Restam uns poucos apenas, ofuscando sua chamada ministerial e sua vocação para a Palavra, embarafustando-se em conjuntos vocais, bandas musicais, e corais e coisas desse gênero, e tendo nos “trabalhos especiais”, a forma única de amainar o anseio da alma, indo ao altar, oferecendo-se em sacrifício mediante o apelo do preletor, para com isto acalentar a sua mente, excitada pela convocação do Espírito Santo e pela chamada do Santo Ministério. O jovem então levanta-se dali e diz: Vou realizar a obra de Deus.
No dia seguinte, perduram o sabor e a esperança, uma semana, e mais outra... Dias após volta-se para dentro de si e vê que tudo continua igual. Não há plano, não há convite, não há alvo a alcançar. E, olhando para o fim do túnel, não vê sequer um raio um raio de luz, que irradia esperança, para que ele se sinta útil a Deus, a sua igreja e a ao seu pastor, cumprindo a tarefa que lhe foi confiada por Deus, orientado por seus superiores e estimulados pela auto-realização de uma carreira. Conclusão: resta apenas chorar o passado, esperando o amanha incerto.

Semana que vem continuamos, juntos vamos ler o grito de alerta dado por esse articulista no crepúsculo da década de 80.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

As pequenas rachaduras - Mc 11.12-21

Quem está acompanhando os textos que escrevo, ou textos de outros autores que compartilho aqui no Blog, percebe que estou tratando nos últimos tempos de Teologia Sistemática e Ética. Hoje vamos para a área prática devocional. Na verdade toda essa divisão que existe na teologia é para fins didáticos, pois na prática não se deve separar a prática da sistemática; a sistemática da bíblica e vice e versa.

Como introdução a essa reflexão bíblico-devocional, utilizarei um filme. Aprecio o cinema, e sempre que assisto a um longa, procuro fazer alguma associação com a fé cristã, com a vida[1]. Recentemente assisti Alfie, refilmagem de Como Conquistar as Mulheres, com o ator Jude Law, no papel do “mulherengo” Alfie, outrora interpretado por Michael Caine no filme de Lewis Gilbert, em 1966. Alfie é um homem independente, conquistador e que se afasta de qualquer mulher que queira compromisso. Sua filosofia de vida é: vinhos e mulheres: “se bem que mulheres e mulheres é uma boa combinação”. Segundo Alfie nos conta, certa feita, enquanto visitava um museu, vislumbrou-se com a estátua de uma deusa grega, ficou extasiado por ela: “forma feminina perfeita”. Porém, quando chegou mais perto, percebeu na lateral dessa escultura rachaduras, lascas, imperfeições. Isso é também, segundo Alfie, com os relacionamentos, quando se chega perto demais, a imperfeição aparece e o encanto se vai.

Não sei se notaram, mas coloquei uma passagem bíblica no título do texto. O ocorrido entre Jesus e a figueira sempre me chamou a atenção. Pensava: “tadinha da figueira, não era seu tempo de figo e mesmo assim Jesus a amaldiçoa”. Por quê? As figueiras eram fontes de alimentação barata nas terras da Palestina, e em todo o território era plantada para alimentar os viajantes. O primeiro sinal de que uma figueira tem frutos é o surgimento das folhas. Jesus ao avistar aquela árvore frondosa, pensou que nela encontraria o fruto que saciasse sua fome. Mas não, chegando perto da árvore, viu que era somente aparência... de perto, viu as rachaduras!
O autor de Marcos, sabiamente, encaixa esse evento antes da purificação do templo, pois o acontecimento com a figueira é uma forma de prelúdio. Como corrobora Brown:

“Amaldiçoar uma árvore porque não dá frutos parece irracional para muitos, pois, como lembra Marcos, o tempo que antecede a Páscoa não era a estação de figos. Contudo, a maldição assemelha-se às ações proféticas do AT, cuja peculiaridade atrai a atenção para a mensagem que está sendo simbolicamente representada [...] A árvore estéril simboliza as autoridades judaicas cujos pecados estão demonstrados na ação interveniente de purificação do templo, que se havia transformado em um covil de ladrões, em vez de uma casa de oração para todas as nações (Jr 7.11; Is 56.7)”.[2]

O templo visto de longe, aparentava atividades de adoração a Iavé, piedade e devoção religiosa. Ele tinha boa aparência, mas sucumbiu ao olhar de Jesus. Esse episódio é tão importante no ministério de Cristo, que não escapou da pena de nenhum dos evangelistas canônicos. O tema que une esses dois episódios é o do fruto: Jesus vai à árvore e não acha; vai ao templo, centro religioso do povo de Deus, e não encontra fruto que está procurando, o fruto que o templo deveria dar.[3]

A pergunta que fica no ar é: E se Jesus chegar mais perto mim, olhar mais de perto, o que encontrará? Rachaduras com certeza, mas, encontrará também um coração desesperado em esconder e maquiar essas imperfeições? Um ser que luta desesperadamente para manter uma imagem de piedade e devoção, uma boa aparência, mas que no fundo não passa de um sepulcro caiado?
De uma coisa tenho certeza, Jesus não espera encontrar em mim perfeição, mas, espera sim, encontrar um ser humano disposto a ser honesto, que não vende seu ser a uma imagem evangélica barata e nazista.

Talvez continue...
________
[1] Confesso que em momentos de turbulência um bom filme me acalma. Acredito que o bom cinema, da vida e movimento a boas palavras. O contrário também é verdadeiro.
[2] BROWN, Raymond E. Introdução ao do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004. p. 225. [3] Os discípulos estavam preparados para a leitura de gesto simbólico de Jesus, porque a imagem da figueira para indicar o povo de Deus infrutífero era bastante conhecida na tradição bíblica. Cf. FABRIS, Rinaldo. In: BARBAGLIO, Giuseppe (et al). Os evangelhos (I). São Paulo: Loyola, 1990. p. 552.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

O problema não resolvido do mal


A Teodicéia


por Claus Schwambach*


O problema do mal é discutido tanto na ética teológica quanto na ética filosófica, embora ambas nunca tenham abordado o assunto com extrema profundidade. Entre as principais contribuições, destaquem-se:


8.1.2.1. Agostinho: Muito difundida por longo tempo foi a concepção platônica-neoplatônica de Agostinho, que entende o mal como “privatio boni” – o mal não tem uma existência própria, apenas deficiência de ser. Esta concepção teve grande influência na Idade Média.


8.1.2.2. Leibniz (Teodicéia, 1710): ele diferencia entre três tipos de mal: malum metaphysicum (o mundo é dos melhores – já que o criador não quer e nem pode fazer o mal – , mas imperfeito e deficiente em relação ao criador); malum morale (seres livres dotados de razão podem optar pelo bem ou pelo mal, resultando neste tipo de mal moral); malum physicum (é muitas vezes entendido como conseqüência do mal moral – castigo).


8.1.2.3. Séc XX – Há duas concepções contemporâneas que não podem deixar de ser mencionadas, por estarem ligadas com experiências do mal típicas do séc. XX: a) Hannah Arendt: No contexto do nazismo, o mal foi banalizado e tornou-se em um máquina de destruição do sistema nacional-socialista alemão, cujo funcionamento aniquilou milhões. Ou seja: o mal é uma máquina de destruição! b) Paul Ricoeur: fala da epigênese do mal, referindo-se a frieza e ao calculismo da sociedade moderna ao praticar o mal. Epigênese é, dentro do processo evolutivo, um termo que descreve o surgimento de novas possibilidades ainda desconhecidas nas novas etapas do processo evolutivo.


8.1.2.4. A partir destes conceitos, poderíamos afirmar que existem três dimensões do mal:
a) O mal/os males – entendido como as sombras da existência (doenças, catástrofes naturais etc.) e não tendo um sentido moral;
b) A maldade – seria o mal no sentido moral (praticada contra Deus, o próximo, a si mesmo e a natureza);
c) O pecado – qualificação teológica da maldade, apontando para a perdição e o erro total da existência humana (cf. grego: amartia = errar o alvo).

Justamente no último aspecto mencionado (pecado) a tradição teológica se manifesta. Como o pecado e a sua confissão pelo pecador são acontecimentos espirituais, o conceito de pecado não pode ser exatamente identificado de forma imediata com os conceitos morais e éticos do mal. Por esta razão, a antropologia teológica sempre precisa manter uma distância crítica em relação à identificação do que é bom e o que é mal com decodificações concretas dos mesmos nas sociedades. Esta afirmação se baseia nas constatações bíblicas de que:


--> No AT não há nenhum conceito uniforme do que vem a ser o pecado, mas uma série de descrições que se manifesta em termos em si bastante polisêmicos (com vários significados):
- hataht – Falta contra Deus ou pessoas, erro de um alvo;
- avon – desviar-se conscientemente de um caminho;
- pescha’ – rebelião, queda
- rascha’ – a ruptura qualitativa do direito (em sentido legal);
- ra’ah – o mal de forma geral.


Todos estes termos mostram que o pecado se manifesta concretamente em todas as esferas da vida humana, seja na relação com Deus ou com as pessoas e a natureza. Segundo Gerhard von Rad, o pecado é, basicamente, no AT, uma “categoria social”.
à No NT, o pecado é descrito como uma realidade que afeta, principalmente, a relação da pessoa com Deus. O termo amartia mostra que o pecado é o auto-fechamento da pessoa em torno de si mesma, de maneira que venha a errar o alvo de sua vida. Rm 5 mostra que todos os seres humanos provém de uma realidade simbolizada por Adão. Tanto Adão quanto Cristo são, neste cap., o que a pesquisa tem definido como personalidades corporativas.
O pecado é, neste sentido, uma realidade transmoral, i. é, não representa apenas um delito ou falta moral, mas atinge a totalidade da pessoa. O pecado é um poder que toma conta da pessoa, fazendo com que ela negue a Deus e se volte para os ídolos, além de viver de forma deturpada com o próximo e com a natureza.

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* Possui graduação em Teologia pela Universitat Tuebingen (Eberhard-Karls) (1999) , graduação em Bacharelado Em Teologia Curso Livre pelo Centro de Ensino Teológico (1991) e doutorado em Teologia Evangélica pela Friedrich-Alexander-Universitat-Erlangen-Nurnberg (2001) . Atualmente é professor titular da Faculdade Luterana de Teologia. Tem experiência na área de Teologia , com ênfase em Teologia Sistemática. Atuando principalmente nos seguintes temas: Esperança, escatologia, justificação, libertação, Utopia-Escatologia, Teologia da libertação, Escatologia em Martim Luther, Escatologia em Leonardo Boff, Escatologia em João Batista Libânio e Morte, Juizo final, Ressurreição, Inferno, Parusia.Diretor da Faculdade Luterana de Teologia desde de agosto de 2003.

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