terça-feira, 31 de março de 2009

Aspectos introdutórios de 1Co


O próximo trimestre da EBD vai ter como pano de fundo a primeira carta de Paulo aos Coríntios. Compartilho com vocês, o extrato de um estudo que fiz no tempo da faculdade. Espero que seja útil.


Contexto histórico sócio-cultural da cidade de Corinto.

A cidade de Corinto evangelizada por Paulo não era mais a antiga Corinto da era clássica. Essa fora completamente destruída pelo romano L. Mummius Achaicus em 146 a. C. quando a Grécia foi conquistada pelos romanos. Foi reconstruída somente um século mais tarde, por Júlio César, e se tornara uma cidade completamente nova, que experimentara um reverdecimento exterior rápido e atraíra pessoas de todos os países. Era uma cidade especialmente apropriada para a navegação e o comércio nas condições da época.[1] O que favoreceu esse desenvolvimento foi sua localização geográfica. Era ligada ao restante da Grécia por meio de uma estreita faixa terrestre, chamado de “istmo de Corinto”, onde tinha dois portos, um em cada extremidade da faixa. “Corinto tornou-se o mais importante local de cabotagem do comércio entre o Ocidente e o Oriente do mundo mediterrâneo”.[2] Contudo, isso não excluiu a pobreza da cidade, que suportava multidões de escravos e grupos populacionais em condições precárias.[3]

A nova cidade era colônia romana mas sua população não era autóctone. Porém, o pensamento grego logo permeou a cidade, constatação feita a partir dos problemas relatados nas cartas de Paulo aos coríntios. Das cidades gregas a menos grega, era por esse tempo a menos romana das colônias.[4] Essa gama populacional, que ia de gregos passando por judeus à egípcios, favoreceu em Corinto o estilo de vida desregrada que se tornou proverbial: “Corintizar”, ou seja, “viver como um coríntio”, era sinônimo de uma vida de prazeres desenfreados.[5] Seus habitantes eram declaradamente inclinados a satisfazer os seus desejos, independente de que espécie eles fossem. A lei que regia a cidade era o desejo em prol de si mesmo, onde o negociante conseguia o lucro por meios escusos, o amante de prazeres entregava-se as luxúrias e o atleta era orgulhoso de sua força física, esses são os verdadeiros tipos coríntios, seres humanos numa cidade em que o homem não reconhecia nenhum superior e nenhuma lei, senão os seus desejos.[6]

A vida sexual na Corinto contemporânea a Paulo provavelmente herdou os traços da Corinto da era grega clássica. O grande orador Demóstenes declarara : “Temos amantes para nos regozijarmos com elas, depois escravas compradas, para cuidarem de nossos corpos, e finalmente esposas, que devem conceder-nos filhos legítimos e suprir as necessidades domiciliares ”.[7] Como já citado acima, em Corinto encontrava-se também o Templo de Afrodite, a “deusa do amor”. A quem diga que ao redor do templo tinham casas adornadas de rosas, onde moravam mil sacerdotisas da divindade, que entregavam-se aos visitantes em cada culto. Relacionar-se sexualmente com essas sacerdotisas não era escandaloso aos olhos da época.

O surgimento da igreja em Corinto.

Depois de sair da província romana da Macedônia, onde dera origem a algumas comunidades cristãs, como em Filipos e em Tessalônica, Paulo chega a Atenas, onde os resultados não são os melhores (At 17.15; 32-34). A estadia em Atenas foi uma desilusão.[8] Talvez por isso seu olhar se volta à cidade de Corinto, onde chegou provavelmente entre 50/51.[9] A atividade evangelizadora de Paulo em Corinto é discretamente relatada em At 18.1-17. Na metrópole estranha, encontrou abrigo e trabalho com Priscila e Áquila, que provavelmente abraçaram a fé em Cristo em Roma.[10]

A estratégia missionária de Paulo em Corinto não foi diferente daquela adotada em outras cidades, anunciava que Jesus é o Cristo nas sinagogas e aos pagãos. Contudo os judeus o receberam com hostilidade[11] obrigando Paulo a mudar de estratégia utilizando a casa de um certo Justo, onde focou sua pregação aos gentios, mesmo assim, judeus reconheceram Jesus como o Cristo de Deus (1Co 1.14). O apóstolo ficou em Corinto um ano e meio (At 1 8.11), edificando a igreja, basicamente de gentios convertidos, forjando o encontro entre fé cristã e cultura helênica, onde:
Pessoas de matriz étnica e cultural própria de um novo mundo, congregadas em torno do anúncio de Cristo morto e ressuscitado, empenharam-se em inserir em suas vidas o mesmo evangelho pregado na Palestina por Jesus e pelos apóstolos. Era inevitável que se verificasse um processo de profunda e radical encarnação da fé cristã. Esta, exposta a latentes perigos de sincretismo e, mesmo, de desvios deformantes [...] tornou-se expressão autêntica de vida de um novo universo humano. Superou, assim, as barreiras do mundo judaico, firmando-se como mensagem universalista.[12]

Também em Corinto os judeus tentaram expulsar Paulo com auxílio dos órgãos estatais romanos. A estratagema fracassou devido a intervenção do procônsul romano Gálio. Irmão do conhecido pensador Sêneca, Gálio não acolheu as queixas e observou com indiferença o açoite do presidente da sinagoga, Sóstenes.[13] Devido a isso, Paulo permaneceu mais um tempo em Corinto antes de retornar à Antioquia da Síria via Éfeso, depois nova partida para a Ásia Menor, e estada prolongada (de dois anos) em Éfeso (At 18.18-23; 19.1;8-10).

Através das cartas (1 e 2Co ) é possível reconstruir a relação de Paulo com Corinto, dos intensos intercâmbios mantidos entre o apóstolo e a comunidade. Em 1Co 5.9 tem-se a evidência duma carta perdida de Paulo, onde ele diz: “Eu vos escrevi em minha carta que não tivésseis relações com devassos [14]” (BJ), nada se sabe dessa carta, além do fato que Paulo foi mal interpretado, por isso retoma e esclarece o tema.[15] Houve também contatos onde Paulo recebeu informações orais por parte dos familiares de Cloe (1co 1.11) e de Estéfanes, Fortunato e Acaio, que vieram encontrá-lo (1Co 16.17-18). A partir desses contatos pode ter uma noção de como a comunidade estava caminhando, sendo que, também recebeu uma carta dos coríntios. Ela enumerava uma série de indagações a respeito de problemas concretos da vida cristã, vividos intensamente em Corinto. Concomitantemente Paulo se dispôs a escrever a igreja. A carta que se conhece como 1Co é o resultado, escrita provavelmente entre 54/55 [16] na cidade de Éfeso (1Co 16.8).

De acordo com Morris,[17] pode-se traçar o seguinte esquema de relacionamento entre apóstolo e comunidade:
Ø Visitas: 1 – quando foi fundada a igreja; 2 – a visita penosa e 3 – uma visita depois de ter sido enviada 2Co.
Ø Houve quatro cartas: 1 – a carta “anterior”; 2 – 1Co; 3 – a carta “severa”; 4 – 2Co.

Percebe-se, dessa forma, um relacionamento marcado pela intensa vontade do apóstolo Paulo em edificar e refutar a comunidade em Corinto. Uma comunidade onde é indubitável a vitalidade criativa dos neófitos, entusiasmados pelos novos horizontes de vida abertos pela fé cristã. Uma igreja viva, sensível ao sopro do Espírito, com tendências para experiências ousadas, não imune a sérios desvios. Tudo isso era vivido dentro de um contexto cultural atraente e condicionador.[18] Na igreja em Corinto as fronteiras não eram bem claras, onde as questões éticas surgiam precisamente porque os coríntios compartilhavam muitos dos valores morais da sociedade circundante ou estavam sinceramente envolvidos nos valores conflitantes da igreja e da sociedade. Os coríntios estavam num processo de desenvolvimento de caráter distintivamente cristão, pois as redes de relações de seus membros ainda cruzavam as mal formadas fronteiras entre igreja e sociedade. Por isso, Paulo é enfático com seus leitores, insistindo que a igreja traçasse uma linha divisória e firme e distinta daquilo que era aceitável ou inaceitável, por exemplo, na conduta sexual.[19]

[1] BOOR, Werner. Carta aos Coríntios. Curitiba, PR: Esperança, 2004. p. 19. MORRIS, Leon. I Coríntios: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 11.
[2] BOOR, Werner. op. cit., p. 19.
[3] BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo (I). São Paulo: Loyola, 1989. p.151.
[4] MORRIS, Leon. I Coríntios: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 12.
[5] BOOR, Werner. op. cit., p. 19. “Corintianizar” era uma forma polida de dizer em grego “ir para o diabo”. Cf. MORRIS, Leon op. cit., p. 12.
[6] MORRIS, Leon. I Coríntios: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 12.
[7] BOOR, Werner. Carta aos Coríntios. Curitiba, PR: Esperança, 2004. p. 20.
[8] MALY, Karl. in: SHREINER, J; DAUTZENBERG, G. Forma e exigências do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004. p. 107.
[9] BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo (I). São Paulo: Loyola, 1989. p.135.
[10] BOOR, Werner. Carta aos Coríntios. Curitiba, PR: Esperança, 2004. p. 21.
[11] “Contudo, diante da oposição e das blasfêmias deles, Paulo sacudiu suas vestes e disse-lhes: ‘Vosso sangue recaia sobre vossa cabeça! Quanto a mim, estou puro, e de agora em diante dirijo-me aos gentios’”, At 18.6 – Todas as citações bíblicas (exceto a perícope em análise que terá tradução própria) serão extraídas da Bíblia de Jerusalém revista e ampliada. 3 ed. São Paulo: Paulus, 2004. p. 1998. Doravante identificada pela sigla BJ.
[12] BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo (I). São Paulo: Loyola, 1989. p. 136.
[13] BOOR, Werner. op. cit., p. 21.
[14] ... com po,rnoij (imorais).
[15] MORRIS, Leon. I Coríntios: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 16.
[16] BARBAGLIO, Giuseppe. op. cit., p. 138.
[17] MORRIS, Leon. op. cit., p. 18.
[18] BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo (I). São Paulo: Loyola, 1989. p. 139.
[19] DUNN, James. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003. p. 775; 780.

sexta-feira, 20 de março de 2009

A Igreja ___________!

Nessa igreja encontramos membros:

* que não vivem em comunhão uns com os outros, e tornam o culto (principalmente a Ceia) num momento particular e não comunitário.
* que mentem para seus líderes para passarem a imagem de que são espirituais e que se importam com o todo.
* que não abandonam seu jeito antigo de viver, professam a fé cristã, mas possuem práticas pagãs.
* Membros amam uma contenda e que são partidários.
* Etc.
* que vivem em comunhão, comungando uma fé ativa no amor.
* honestos, espirituais que de fato se importam com o todo.
* que abandonaram sua maneira fútil de viver e vivem uma nova vida em Cristo
* apaziguadores, que sempre são uma ponte entre partes alienadas.
* Etc.

--> E também líderes:

* que se autodenominam apóstolos.
* charlatões, que mercadejam a palavra de Deus.
* Líderes disseminadores de heresias, diluindo o Evangelho de Cristo.
* Etc.
* Líderes que tem o apostolado confirmado pelos frutos que dão.
* Líderes verdadeiros que sabem manejar a palavra da verdade.
* Líderes apologetas que preservam a doutrina dos apóstolos.
* Etc.

Esses pequenos aspectos apresentados nascem a partir da análise da igreja atual, entretanto, encaixam-se perfeitamente na igreja primitiva. Ouve-se constantemente que devemos voltar aos moldes da igreja primitiva, eu pergunto por que? Esses simples aspectos acima citados revelam que a igreja primitiva tinha líderes bons e outros nem tanto, membros que ajuntavam e outros que espalhavam.

Os escritores bíblicos não tiveram medo de revelar os problemas e as dificuldades da infante igreja de Cristo. Creio que eles nos apresentam seus aspectos positivos e negativos para dessa forma serem o molde das igrejas futuras: igrejas que lidam com ambigüidades, paradoxos, lei e evangelho.

Imagino que quando alguém afirma que devemos ser como a igreja primitiva, ele tem em mente as coisas boas que Bíblia nos informa, eu só temo que esqueça os aspectos negativos, depreciando assim a igreja atual, como se em nosso tempo não houvesse nada de bom.

Acredito que devemos, não nos voltar aos moldes da igreja primitiva, mas aos moldes do Evangelho de Cristo, pois a própria igreja primitiva tinha esse objetivo. Não estou desmerecendo a igreja primitiva, reconheço nela nosso modelo enquanto a primeira comunidade cristã a aplicar os ensinamentos de Cristo e pregar a sua volta, ela é a pioneira, entretanto, somos hoje em dia tão igreja de Cristo como a igreja primitiva.

quarta-feira, 18 de março de 2009

o desafio de amar

Amar é, pois, sinônimo de desarmar-se, depor as armas. Contudo, depor as armas é abdicar da força. E abdicar da força é ser considerado louco pelos demais e ser abandonado por eles. Daí segue que o amor é incompreensível e doloroso e, por isso, poucos estão dispostos a amar. É certo que quando não amamos verdadeiramente não temos base nem credibilidade para falar do amor de Deus. No caso do cristianismo, há sempre o risco de transformarmos o segmento de Jesus Cristo num segmento de doutrinas e normas morais que, por sua vez, se converta em ideais. O cristão não segue um ideal, nem um sistema de normas de conduta, mas antes de tudo segue uma pessoa. Esta é a grandeza e o escândalo do cristianismo.

Luiz Carlos Sureki in: Perspectiva Teológica. Ano XL Nº 112. p. 398.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Quem tem promessa, também morre!


“Há tempo de nascer, e tempo de morrer”

É muito freqüente no meio evangélico ouvir: “Quem tem promessa não morre!” Essa idéia virou um axioma, isto é, uma máxima que encerra uma verdade indiscutível. Tolice, pois o cotidiano revela o contrário, e torna essa proposição um chavão de pregador que não estuda as Escrituras!
No dia dez de março de 2009, faleceu o missionário Alair Scheidt Junior. Alair foi fazer um concerto no forro do auditório da MEUC – Missão Evangélica União Cristã em Ijuí, e ao levar uma descarga elétrica, não resistiu. Deixa a querida Andréia (que está grávida) e a pequena Bia.[1]

Estudei com Alair no seminário em São Bento do Sul. Deixou um bom emprego em Blumenal e foi se preparar na Faculdade Luterana de Teologia. Era um jovem muito prático e que sempre valorizou o trabalho com jovens, essa era a sua marca! Alair estudou quatro anos, com muito esforço passou por todas as matérias, e foi fazer o que sabia fazer de melhor, liderar jovens. Nesses quatro anos em SBS, trabalhou com os jovens locais, foi amigo da galera, sua casa estava sempre cheia, era ponto de encontro para conversar, tomar tererê, jogar Uno, enfim, comungar a fé.
Com toda certeza Alair tinha promessas de Deus, digo com toda certeza, porque sua vida dava frutos, e isso é prova de que ele estava ligado em Cristo. Entregou sua vida e sua família a causa do Reino. Mesmo assim, dormiu no Senhor. Na verdade não tem muito o que falar.


Mas o fato é que diariamente cristãos morrem, sofrem atrocidades, descobrem cânceres, vivem o mal de cada dia. O que alimenta essa discurso triunfalista é que Deus quando quer, intervém, como aconteceu na vida do jovem Jaison Batista, que depois de um acidente de carro, tinha 1% de chance de voltar a vida, e se voltasse, tudo indicaria que ficaria com graves seqüelas. Jaison se recuperou milagrosamente, hoje caminha, fala, raciocina e testemunha do que Deus fez, até o momento em que escrevo essas linhas, nenhuma seqüela foi diagnosticada.

Qual critério Deus usa para agir ou não agir? Será que ele utiliza algum critério? Como explicar que alguns irmãos são recuperados e outros recolhidos? Eu não sei, alguém sabe? De uma coisa tenho certeza, e isso já escrevi aqui no Ócio, Deus é nosso parceiro na construção da história, e com certeza lamenta quando um filho seu é fruto de uma fatalidade.

A nós que ficamos aqui, na sala de espera (?), nos resta orar pelos enlutados, acolher o órfão e a viúva e simplesmente viver, afinal, a morte é parada certa nessa viagem terrestre. Depois dela, Deus será tudo em todos!

“Assim, atribulações e dúvidas não precisam necessariamente fazer a pessoa abandonar a sua fé, mas podem ser expressas dentro do âmbito da fé”. (SCHMIDT, 2002. p. 359).

"Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá;" João 11.25
_______
[1] Disponível em: http://www.sejameuc.com.br/novo/noticias.php?codigo=66 Acesso em 10 de mar de 2009.

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