quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Deus desceu para subir

“Todo menino quer ser homem. Todo homem quer ser rei. Todo rei quer ser Deus. Só Deus quis ser menino”. L. Boff.

Penso que essa frase do teólogo Leonardo Boff sintetiza brilhantemente o Natal, onde a humanidade é abalada com a irrupção do Reino de Deus no seio de sua história. Enquanto os homens funestamente buscaram a divinização como meio de salvação, paradoxalmente Deus tornou-se humano em Cristo para salvar. Gosto das palavras de Lewis:

“De acordo com a história cristã, Deus desce para voltar a subir. Ele desce das alturas da existência absoluta no tempo e espaço à humanidade. [...] ele desce para subir de novo, trazendo consigo todo o mundo arruinado. Isso nos faz pensar em um homem forte abaixando-se cada vez mais para colocar-se debaixo de um grande e complexo fardo. Ele deve abaixar-se para o levantar, quase desaparecendo sob a carga, antes de endireitar incrivelmente as costas e seguir avante com toda a imensa massa balançando em seus ombros.”[1]

O Natal então anuncia essa descida de Deus, esse evento inaudito: O Todo Poderoso tornando-se matéria, entrando no tempo e no espaço, expondo-se a morte, tornando-se homem! Eu me pergunto: o que é salvífico em Cristo, sua encarnação? Sua morte? Ou sua ressurreição? Boff defende a idéia de que tudo em Cristo é salvífico, sua encarnação, vida, morte e ressurreição.[2]
Faço coro com ele e sugiro que nesse Natal pensemos holisticamente Cristo, começando pelo seu nascimento, passando por seus ensinamentos, velando seu sofrimento, alegrando-se com seu ressurgimento, esperando pelo arrebatamento.

A você querido leitor, um Feliz Natal!

PS - texto requentado de 2009 e também um capítulo de meu livro Rascunhos da Alma.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Eu-tu: a imagem de Deus

Por Fernando Albano

“Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1.27)

A imagem de Deus é essencialmente a relação que há entre os seres humanos com Deus, consigo e com o próximo. Logo, eu-tu somos imagem de Deus; eu só, distorção desta imagem.
Muito se discute em antropologia teológica o real significado da expressão bíblica, “imagem e semelhança de Deus” (Gn 1.27). De acordo com muitos teólogos a imagem e semelhança divina de que o ser humano é portador, deve ser considerada primariamente em sua dimensão espiritual, pois Deus é espírito. Dessa forma o corpo não participa da imago Dei. Segundo Cabral:


O corpo não é a imagem de Deus, porque é formado do pó. Porém, o Senhor soprou nele a nephesh _ a vida física da alma que possui a imagem e semelhança de Deus (Gn 2.7) Os impulsos físicos, pois, encontram-se sob o controle do espírito humano, a sua parte superior.

Segundo essa perspectiva, o ser humano é, pois, imagem e semelhança de Deus por suas faculdades espirituais, que são a inteligência, volição e sentimentos. Seria essa imagem, presente na alma, e não relacionada ao corpo que reflete a Deus, segundo a compreensão usual. Entretanto, compreendo que a imagem e semelhança de Deus, embora comportem essas características, não pode desconsiderar outro elemento fundamental, a saber, a capacidade de relação, socialização que o ser humano possui e, esta é necessariamente mediada pelo corporal.

Portanto, é possível uma concepção de imagem de Deus que seja coerente com a concepção unitária de ser humano conforme apresentada na Bíblia. Por outro lado, pode-se entender a imago Dei pela ótica platônica e, assim, se estabelecer o dualismo metafísico, estranho ao hagiógrafo.

Na realidade conforme as tradições bíblicas, a imagem de Deus não reside na alma, conforme o entendem muitos teólogos ortodoxos, porque imagem de Deus são todas as pessoas em sua comunhão natural: “[...] criou-os macho e fêmea” (Gn 1.27). Portanto, Deus:

[...] não é reconhecido no fundo da alma de cada um por meio da experiência de si próprio, mas na comunhão integral, de relacionamentos, e por isso também na comunhão corporal e de sentidos entre homens e mulheres, pais e filhos, e em outras relações sociais. (MOLTMANN, Jürgen. A fonte da vida: o Espírito Santo e a teologia da vida. 2002. p. 85.)

Assim, diante da ênfase a respeito da espiritualidade de Deus como elemento determinante da imago Dei, convém perguntar pela natureza dessa espiritualidade. Deus é espírito (Jo 4.24), mas o que caracteriza essa condição espiritual do transcendente? Pode-se afirmar que Deus é espírito relacional, ou seja, ele é espírito uno no que tange à sua divindade, contudo, é trino no que diz respeito às identidades, assim, segundo o credo cristão, Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. Portanto, Deus é um ser relacional e comunitário.

Por conseguinte, não se pode falar de imagem de Deus sem considerar o seu aspecto relacional, comunitário e, ainda corpóreo. O ser humano que foi criado conforme a imagem de Deus é igualmente relacional e, anseia por relação, comunhão (Gn 1.27-28). Portanto, como disse Moltmann: “A verdadeira espiritualidade não pode ser uma experiência solitária, egoísta, pois cada indivíduo existe no tecido de relações sociais e políticas.” (MOLTMANN, 2002, p. 90.)

A teologia cristã com sua ênfase na relação da alma ou espírito com Deus, corre o risco de acabar provocando um distanciamento da pessoa do outro, assim como de si mesmo, pois separa as dimensões espiritual e material, apresentando um aparente conflito entre corpo e alma.

Isto posto, sabe-se que o ser humano estabelece interação com outras pessoas mediante sua corporeidade. De fato, não há relação em nível de meros pensamentos e abstrações. Nas relações humanas há toques, olhares, abraços, entre outros, que promovem a relação. Sendo a capacidade de comunhão algo que caracteriza a imagem e semelhança de Deus, pode-se afirmar que o corpo humano participa desta imagem, pois é o ser humano em relação com outros.

Portanto, pode-se dizer que o ser humano não tem a imagem e semelhança de Deus. Ele é a imagem de Deus em sua corporeidade, em sua relação consigo, com Deus e o outro.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Onde está meu irmão?

 

“Quando Deus perguntou a Caim onde estava Abel, Caim replicou, zangado, com outra pergunta: ‘Sou por acaso guardião do meu irmão?’ O maior filósofo ético do nosso século, Emmanuel Levinas, comentou que dessa pergunta zangada de Caim começou toda a imoralidade. É claro que sou guardião do meu irmão; e sou e permaneço uma pessoa moral enquanto não pergunto por uma razão especial para sê-lo. Quer eu admita, que, não, sou o guardião do meu irmão porque o bem-estar do meu irmão depende do que eu faço ou do que me abstenho de fazer. Eu sou uma pessoal moral porque reconheço essa dependência e aceito a responsabilidade que ela implica. No momento em que questiono essa dependência, e peço, como fez Caim, que me dêem razões para que eu me preocupe, renuncio a minha responsabilidade e deixo de ser um ser moral. A dependência de meu irmão é o que me faz um ser ético. A dependência e a ética estão juntas, e juntas elas caem.”
BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 98.

 
Depois das palavras desse sociólogo polonês não sobram muitas a serem ditas. Jesus Cristo já nos ensinou isso na parábola do bom samaritano, lá já está claro que o próximo é todo aquele precisa de mim.

 
Essas palavras nos desafiam a enxergarmos além de nossos umbigos e percebermos o outro. Elas desmascaram nossa hipocrisia e faz-nos ver que nosso cristianismo está longe de ser cristão. Mas ao mesmo tempo nos mostram o caminho, quem está disposto a segui-lo?

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