quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Eu-tu: a imagem de Deus

Por Fernando Albano

“Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1.27)

A imagem de Deus é essencialmente a relação que há entre os seres humanos com Deus, consigo e com o próximo. Logo, eu-tu somos imagem de Deus; eu só, distorção desta imagem.
Muito se discute em antropologia teológica o real significado da expressão bíblica, “imagem e semelhança de Deus” (Gn 1.27). De acordo com muitos teólogos a imagem e semelhança divina de que o ser humano é portador, deve ser considerada primariamente em sua dimensão espiritual, pois Deus é espírito. Dessa forma o corpo não participa da imago Dei. Segundo Cabral:


O corpo não é a imagem de Deus, porque é formado do pó. Porém, o Senhor soprou nele a nephesh _ a vida física da alma que possui a imagem e semelhança de Deus (Gn 2.7) Os impulsos físicos, pois, encontram-se sob o controle do espírito humano, a sua parte superior.

Segundo essa perspectiva, o ser humano é, pois, imagem e semelhança de Deus por suas faculdades espirituais, que são a inteligência, volição e sentimentos. Seria essa imagem, presente na alma, e não relacionada ao corpo que reflete a Deus, segundo a compreensão usual. Entretanto, compreendo que a imagem e semelhança de Deus, embora comportem essas características, não pode desconsiderar outro elemento fundamental, a saber, a capacidade de relação, socialização que o ser humano possui e, esta é necessariamente mediada pelo corporal.

Portanto, é possível uma concepção de imagem de Deus que seja coerente com a concepção unitária de ser humano conforme apresentada na Bíblia. Por outro lado, pode-se entender a imago Dei pela ótica platônica e, assim, se estabelecer o dualismo metafísico, estranho ao hagiógrafo.

Na realidade conforme as tradições bíblicas, a imagem de Deus não reside na alma, conforme o entendem muitos teólogos ortodoxos, porque imagem de Deus são todas as pessoas em sua comunhão natural: “[...] criou-os macho e fêmea” (Gn 1.27). Portanto, Deus:

[...] não é reconhecido no fundo da alma de cada um por meio da experiência de si próprio, mas na comunhão integral, de relacionamentos, e por isso também na comunhão corporal e de sentidos entre homens e mulheres, pais e filhos, e em outras relações sociais. (MOLTMANN, Jürgen. A fonte da vida: o Espírito Santo e a teologia da vida. 2002. p. 85.)

Assim, diante da ênfase a respeito da espiritualidade de Deus como elemento determinante da imago Dei, convém perguntar pela natureza dessa espiritualidade. Deus é espírito (Jo 4.24), mas o que caracteriza essa condição espiritual do transcendente? Pode-se afirmar que Deus é espírito relacional, ou seja, ele é espírito uno no que tange à sua divindade, contudo, é trino no que diz respeito às identidades, assim, segundo o credo cristão, Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. Portanto, Deus é um ser relacional e comunitário.

Por conseguinte, não se pode falar de imagem de Deus sem considerar o seu aspecto relacional, comunitário e, ainda corpóreo. O ser humano que foi criado conforme a imagem de Deus é igualmente relacional e, anseia por relação, comunhão (Gn 1.27-28). Portanto, como disse Moltmann: “A verdadeira espiritualidade não pode ser uma experiência solitária, egoísta, pois cada indivíduo existe no tecido de relações sociais e políticas.” (MOLTMANN, 2002, p. 90.)

A teologia cristã com sua ênfase na relação da alma ou espírito com Deus, corre o risco de acabar provocando um distanciamento da pessoa do outro, assim como de si mesmo, pois separa as dimensões espiritual e material, apresentando um aparente conflito entre corpo e alma.

Isto posto, sabe-se que o ser humano estabelece interação com outras pessoas mediante sua corporeidade. De fato, não há relação em nível de meros pensamentos e abstrações. Nas relações humanas há toques, olhares, abraços, entre outros, que promovem a relação. Sendo a capacidade de comunhão algo que caracteriza a imagem e semelhança de Deus, pode-se afirmar que o corpo humano participa desta imagem, pois é o ser humano em relação com outros.

Portanto, pode-se dizer que o ser humano não tem a imagem e semelhança de Deus. Ele é a imagem de Deus em sua corporeidade, em sua relação consigo, com Deus e o outro.

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