terça-feira, 22 de abril de 2008

A Identidade da Igreja de Cristo

Missão como obra de Deus

Quero refletir essa temática a partir da seguinte pergunta: “Qual é a principal tarefa da igreja?” Fazer missões cumprindo o ide de Jesus pode ser a nossa primeira impressão. A resposta não deixa de estar correta, contudo, limita uma pergunta que deveria gerar uma reflexão mais profunda sobre esse tema. Esse conceito de que missão é mais um papel ou uma obrigação eclesiástica, inibe a igreja de viver a plenitude da sua identidade. Mas o porquê disto? Paul Stevens afirma em seu livro “Os Outros Seis Dias”:

Ironicamente, em sua constituição, a Igreja é um povo sem leigos no sentido usual dessa palavra, mas cheia de clérigos no verdadeiro sentido dessa palavra – dotado, comissionado e apontado por Deus para continuar o Seu serviço e missão no mundo. A Igreja não “tem”, então, um ministério; ela é um ministério, o ministério de Deus. Ela não tem uma missão; é uma missão. Há um povo, um povo trinitariano, um povo que reflete o Deus uno que é amante, amado e amor, como disse certa vez Agostinho, é um Deus que envia, é enviado e está enviando”.[1]

A partir desse texto podemos entender que missão, não é mais uma função da igreja, mas é aquilo que define sua identidade enquanto instituição de Deus, ela é fruto da missão do próprio Criador. Onde Deus envia seu Filho, e este conjuntamente ao Pai, enviam o Espírito Santo. Portanto, missão e igreja não podem ser separadas, pois fazem parte da obra do próprio Deus em Cristo, que é atualizada pelo Espírito Santo. Igreja e missão são instrumentos pelo qual Deus promove a sua missão na terra. O corpo de Cristo, no sentido divino, enquanto igreja universal é vaso de Deus, ação da misericórdia do Senhor em direção ao perdido. Portanto, não cabe a igreja decidir se ela quer fazer missão, ela só pode decidir se quer ser igreja. Respondendo a nossa pergunta inicial, a principal tarefa da igreja, é descobrir sua identidade, que é ser uma igreja missionária (1Pe 2.9). A atividade missionária não é tanto uma ação da igreja, mas é simplesmente a igreja em ação.
A partir do momento que a igreja resiste a intenção do próprio Deus em fazer missão, ela deixa de ser corpo de Cristo, pois não há possibilidade de pertencer a Cristo sem participar em sua missão ao mundo. Quando a congregação dos santos nega sua identidade missionária, de alguma forma, tenta restringir o senhorio de Deus em seu serviço, na história da salvação da humanidade. Nisso percebemos que Deus não somente envia, mas é também enviado, e mais, é o conteúdo da missão.[2] O apóstolo Paulo em 2Co 5.18-21 diz que Deus escolheu nos reconciliar consigo mesmo, mediante o evento do Calvário. Essa restauração de relacionamentos desperta no reconciliado, caso não negue sua identidade como igreja de Deus, a tarefa de representar essa graça que lhe alcançou no mundo em que vive. Somos embaixadores em nome de Cristo.

Concepção de missão a partir do homem.

Até agora apresentamos uma perspectiva de missão, onde Deus é o agente missionário por excelência. Todo esse esforço em enxergar a missão como obra de Deus, se dá pelo fato de que nossa concepção desse assunto está, na maioria das vezes, ligada ao esforço humano em cumprir o “ide” de Mc 16.15; Mt 28.19. A ênfase do labor missiológico fica amarrado então, ao deslocamento geográfico. Se levarmos em conta a análise do texto original grego dessas passagens bíblicas, não encontramos o imperativo “ide”, mas o gerúndio “indo”. Uma tradução literal de Mc 16.15 é: E disse a eles: Indo para o mundo inteiro proclamai o evangelho (...), o imperativo do versículo não é o ir, mas o proclamar. Com certeza o cristianismo não teria o alcance que teve, caso os apóstolos não tivessem se deslocado geograficamente, citando especialmente a figura do apóstolo missionário Paulo. Mesmo porque, a mensagem do evangelho não sairia da Palestina se eles não cumprissem a planilha geográfica de At 1.8. Anunciar em todo o mundo era necessário, e hoje, será que permanece desta mesma maneira? Ao atualizar o versículo do evangelho de Marcos, temos que levar em conta que o cristianismo já está difundido em boa parte do mundo, por isso, precisamos enfatizar o imperativo proclamai, e para proclamar, não precisamos necessariamente nos deslocar. Precisamos perceber essa realidade da missão, onde ser missionário não é somente sair pelo mundo anunciando a Cristo, mas ser simplesmente igreja, porque se sou igreja de Deus, sou missionário de Deus.
Temos que ter a seguinte clareza: Missão é obra de Deus. Todos quantos foram alcançados pelo evangelho de Cristo, são missionários. Ir pelo mundo a fora proclamar a Cristo é uma tarefa importante e necessária, mas não é o que me define como missionário. Vamos despertar para a concepção de que fazer missão é viver a partir de Cristo. Vamos orar a Deus pelos nossos irmãos, que estão em terras distantes testemunhando da graça de Cristo, porém, vamos também cumprir nosso papel de igreja proclamando a mensagem da cruz, em terras bem próximas.
___________________
[1] STEVENS, R. Paul. Os outros seis dias. Ultimato, 2005.
[2] VICEDOM, Georg; A missão como obra de Deus: introdução a uma teologia da missão. Sinodal, 1996.

Um comentário:

Vitor Hugo da Silva - Joinville, SC disse...

Rodrigo!

Em todo o seu texto, o que mais me chamou a atenção foi a importância do PROCLAMAI. Realmente, o que mais é enfatizado em nossos púlpitos é o IDE. Porém, percebi lendo o seu artigo uma grande diferença entre o IDE e o PROCLAMAI.

O IDE pode ser uma escolha do indivíduo. Podemos afirmar que o IDE está dentro de um livre arbítrio. Agora o PROCLAMAI, não depende da escolha do indivíduo, ou seja, é algo que vem com o "pacote". Todos são proclamadores do Evangelho, mesmo sem sair de suas famílias, bairros, e cidades. Podemos até desprezar o IDE, porém, o PROCLAMAI faz parte da obra regeneradora do Espírito Santo em nossas vidas, ou seja, todo cristão é um proclamar nato, sem restrinções. Alguns com mais "jeito" e outros não!

Ótimo artigo!!

Um abraço!
Vitor Hugo

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