segunda-feira, 30 de junho de 2008

O ser humano deificado: parte II


Texto em parceria com Israel W. Sell


Desta forma o homem tornou-se o seu próprio ídolo, colocando-se no lugar do Deus vivo, usurpando o trono de Deus. Desde os primórdios da criação até os nossos dias o homem quer organizar-se para chegar diante de Deus, quer ser seu próprio ídolo, por isto, Deus entrega o ser humano a si mesmo, gerando uma quebra de moral, uma quebra no verdadeiro sentido da criação de Deus. Vejamos adiante as tentativas idólatras dos seres humanos que por meio de suas torres querem chegar aos céus, querem se colocar no lugar de Deus. O homem quer romper com a parceria de Deus, quer “viver cheio de si”.
Ao longo da história o homem buscou essa parceria com Deus (deuses), até o momento em que quis ocupar o lugar dele. Deificação diz respeito ao processo cerimonial, religioso ou social mediante o qual o ser humano (ou sociedade) eleva-se acima de si mesmo, até a divindade. Na antigüidade os reis eram considerados filhos dos deuses, as vezes eram chamados de deuses (Alexandre, o Grande) outros se intitulavam deuses, como Antíoco Epifânio.[1] Depois temos os imperadores romanos, que ao morrerem eram oficialmente deificados, porém alguns já exigiam adoração em vida (Calígula, Nero e Domiciano), sendo que essa prática só parou com Constantino.
Vemos de certa forma a deificação do ser humano (a torre de babel novamente sendo construída) na evolução do pensamento humano. No pensamento humanista-renascentista, o homem era considerado artífice de si mesmo, podendo ser um só espírito com Deus.[2] Podemos pular lá para o século XVIII, onde o voluntarista Nietzsche declara no “evangelho” de Zaratustra: “Deus está morto”. Para ele o homem não pode desenvolver seus valores enquanto acreditar na existência de Deus.[3] Ainda que Nietzsche repreenda a moral religiosa de sua época, sua filosofia coloca o homem na posição de deus de si mesmo, o homem como sendo seu auto-redentor. O que dizer da declaração do materialista Feuerbach em sua obra A essência da religião? Ele diz: “a divindade do homem é o escopo final da religião”.[4]
Olhando agora para a pós-modernidade vemos o ser humano proporcionando salvação e eternidade a partir do laboratório. Em seu livro Brincando no Paraíso Perdido, Euler R. Westphal afirma que existe na ciência pós-moderna uma dimensão religiosa muito forte, principalmente no âmbito da biotecnologia, que domina o patrimônio genético, dessa forma, ela tem o poder de decidir sobre a vida e a morte das pessoas, inclusive atender a encomendas, um filho conforme o desejo dos pais. Analisando o livro Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, ele afirma que temos a ditadura científica representada com muita propriedade. Nesse admirável mundo novo os cientistas são chamados de “predestinadores”, ou seja, aqueles que decidem sobre a usina humana, sobre os destinos dos embriões. A eternidade é possível a partir do laboratório.[5]
Vemos aqui a dominação da ciência como uma grandeza religiosa, pois ela promete a salvação eterna através da saúde perfeita. Um mundo sem dor e sem a possibilidade da morte, um mundo seu Deus.
Contudo a realidade do ser humano é dura, e sua história tem demonstrado que ele não sabe lidar com o poder, pois o exercício do poder revela quem de fato uma pessoa é. E o que é o ser humano senão uma criatura pecadora, carente e com saudades do paraíso? Ao mesmo tempo em que os avanços tecnológicos impressionam, eles assustam, pois cura e arma biológica provém do mesmo arsenal científico.[6] O homem está trilhando um caminho sem deixar migalhas de pão para poder voltar. A bioética é uma tentativa de imprimir responsabilidade às ciências que se ocupam com a vida, mas a pergunta que fica é: será que a bioética está cumprindo seu papel? Será que alguém tem a resposta? Uns visam o lucro, outros visam a vida, diante duma sociedade capitalista quem será que fala mais alto?
O ser humano deificado vive a mercê de si mesmo. Vive sem espelhos para enxergar a realidade que está criando, ele está como uma criança que ganhou um brinquedo novo, ele está empolgado com o poder criador, ele está iludido e desesperado. O ser humano deificado não sabe ser Deus.[7]

______________


[1] R. N. CHAMPLIN; J. M. BENTES, Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia, p. 37. Os monarcas egípcios eram considerados divinos, quem sabe Epifânio adotara essa prática para si.
[2] G. REALE; D. ANTISERI, História da Filosofia, v. 2, p. 82. Leia na íntegra o discurso de João Pico de Mirândola na página 13.
[3] B. MONDIN, Curso de Filosofia, v. 3, p. 75-82.
[4] B. MONDIN, Curso de Filosofia, v. 3, p. 94.
[5] E. R. WESTPHAL, Brincando no paraíso perdido, p. 31-48.
[6] G. BRAKEMEIER, O ser humano em busca de identidade, p. 129.
[7] Nos vem a mente o filme Todo Poderoso, com Jim Carrey, que vive um jornalista frustrado que recebe temporariamente os poderes de Deus. O resultado é catastrófico, pois ele só recebeu os poderes de Deus e não sua sabedoria.

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