terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Um Deus ciumento...

Em minha denominação(1) é raro ouvir falar sobre o Decálogo, tanto que é difícil alguém desse meio conseguir enumera-los. Penso que no imaginário popular evangélico ele é tido como decoreba católica romana. Uma pena, pois em sua essência os Dez Mandamentos refletem a síntese da ética bíblica. Falam do “caminho para o qual Deus chamou seu povo” – “expressam aquilo que é bom e sublime para a sociedade humana de todos os tempos e lugares”.(2)
Para maiores detalhes introdutórios e informações importantes sobre o Decálogo ouça este PodCast.

Ilustração de Joachim Krause
E Deus falou todas estas palavras: "Eu sou o Senhor, o teu Deus, que te tirou do Egito, da terra da escravidão. "Não terás outros deuses além de mim. [...] "Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o Senhor, o teu Deus, sou Deus zeloso, que castigo os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, mas trato com bondade até mil gerações aos que me amam e obedecem aos meus mandamentos. Êx 20.3;5-6.

No Antigo Oriente era comum a adoração de inúmeros deuses. Tolerar divindades estrangeiras e seus cultos era algo natural. Por isso, o primeiro mandamento é inusitado. Ele pede exclusividade na confissão e isso não encontramos em nenhum outro povo, é específico de Israel. Diante desse contexto, surge no Israel primitivo a monolatria, ou seja, a adoração de um Deus (nesse caso Javé) sem que a existência de outros seja negada. Veja o episódio de Elias no monte Carmelo (1Rs 18).
Portanto, inicialmente os deuses não são negados em seu ‘ser’, e sim em seu ‘ser para’ Israel. [...] Neste sentido a existência de outros deuses não é crida, mas pressuposta. A unicidade de Deus não reside no fato de ele ser o único Deus, mas sim em sua solicitude e exigência; para aqueles que lhes pertencem e recebem a sua ajuda (Os 13.4), ele reivindica ser o único”.(3)

O fundamento do primeiro mandamento é o ciúmes de Javé. Geralmente nossas traduções preferem o termo zeloso, mas ciumento é o sentido mais aproximado da palavra hebraica ’qanna’ e que melhor se encaixa dentro desse contexto de exclusividade. Essa confissão é digna de nota, pois além do AT conferir poucos atributos a Deus, em nenhuma outra confissão na história um Deus é chamado de ciumento. (4)

Javé quer ser o único Deus de Israel. É isso que vemos ao longo do AT: Um Deus apaixonado correndo/cercando seu povo de cuidado e amor mesmo sendo rejeitado e traído. E o NT confirma: O amor de Deus gerou a cruz! Que outro Deus se esvazia de sua glória, torna-se ser humano e morre pela sua criação? Jesus Cristo é o megafone onde Deus anuncia salvação ao perdido e pecador. Na cruz temos o maior apelo para cumprirmos o primeiro mandamento. Não precisamos de outros deuses ou meios para viver, pois Deus quer ser nosso único provedor, em tudo! Deus quer ser suficiente para nós.

O primeiro mandamento nos deixa esta lição: a de não olharmos ou considerarmos outros meios de subsistência além daqueles dados por Deus; não correr para outro lugar que não seja os braços do Pai. Cumprir esse mandamento é simplesmente confiar em Deus, simples assim!

Para ampliar o assunto ouça esse outro Podcast!
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1 - AD Joinville/SC

2 - WIESE, Werner. Ética fundamental: critérios para crer e agir. São Bento do Sul: União Cristã. 2008. p. 122;138. Recomendo esse livro, pois é fruto do labor teológico de um homem temente a Deus e profundo conhecedor do Novo Testamento.
3 - SCHMIDT, Werner H. A fé no Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 2004. p. 119.
4 - SCHMIDT, 2004. p. 128-129.

2 comentários:

Willian disse...

Se tem ciúmes de quem se ama, Deus não teria ciúmes se não amasse a sua criação e é maravilhoso ver esta busca por um povo que de tempos em tempos ignora-o.

Sapão - André Luís Oliveira disse...

Apesar de ser estranho um Deus ser ciumento, querer ser único (parece egocentrismo), não creio que nós no lugar de Deus iríamos querer dividir a glória que é só de Deus...

Interessante o texto

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